terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ainda Oswaldo Montenegro


De todas as letras do Oswaldo essa é a que mais me toca.
Entre tudo que li sobre fim de relacionamento amoroso nada foi mais preciso, mais verdadeiro, mais contundente do que este poema-música.
Sempre que o ouço, ou o declamo, sinto que as palavras estão vivas e reverberando "sem medo" cada frase nos pergaminhos das desilusões amorosas, minhas, nossas, de todos...

Eis a peça:

SE PUDER SEM MEDO

Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr'eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe assim meu verdadeiro abrigo
Deixa a luz do quarto acesa a porta entreaberta
O lençol amarrotado mesmo que vazio
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta
Só na minha voz não mexa eu mesmo silencio
Deixa o coração falar o que eu calei um dia
Deixa a casa sem barulho achando que ainda é cedo
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo
Deixa tudo que lembrar eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir fechando atrás da porta
Deixa o que não for urgente que eu ainda preciso
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa
Deixa ali teu endereço qualquer coisa aviso
Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa
Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande
Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo
Se o adeus demora a dor no coração se expande
Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa
Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência
Deixa a minha insanidade é tudo que me resta
Deixa eu por à prova toda minha resistência
Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que como esse nosso amor ao menor vento oscila
Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa
Deixa um último recado na casa vizinha
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa
Deixa a dor que eu lhe causei agora é toda minha
Deixa tudo que eu não disse mas você sabia
Deixa o que você calou e eu tanto precisava
Deixa o que era inexistente e eu pensei que havia
Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava

Ainda sobre o último sarau


Hoje queria falar do poeta que homenagiei no último Sarau da Casa da Ponte, Oswaldo Montenegro, um letrista estupendo, um poeta magistral...

Lembro-me da primeira vez que tive contato com sua poética, era um domingo e estava assistindo na TV globo o fantástico quando ouvi Bandolins e com meus 11 anos senti uma emoção tamanha que acreditei ser a música feita para mim.
Eu era então uma menina triste, solitária, que adorava dançar escondida na casa pobre...sentia ser a própria menina que valsava ao som dos bandolins e, veramente, naquele noite eu dancei e me julguei, se não amada, pelo menos compreendida...

Anos depois, na semana que pari meu primeiro filho, no momento que me sentia incompetente, imatura e insegura para criar aquele serzinho que tinha ao seio, ganhei de presente um LP do Oswaldo. Coloco-o na vitrola e me deparo com a música: Ao Nosso Filho Morena. E enquanto ouvia a música até furar o LP, enchendo baldes de lágrimas, me conscientizei da força que a arte tem para entender a alma...compreendi naquele momento, sob a voz que refletia minhas angústias secretas, que permaneceríamos (eu e a música do Oswaldo),compartilhando por muito tempo, momentos reais e plenos de poesia, sons e cores.

Compartilho a poesia/música:
Ao Nosso Filho Morena

Se hoje tua mão não tem manga ou goiaba
Se a nossa pelada se foi com o dia
Te peço desculpas, me abraça meu filho
Perdoa essa melancolia

Se hoje você não estranha a crueza
Dos lagos sem peixe da rua vazia
Te olho sem jeito, me abraça meu filho
Não sei se eu tentei tanto quanto eu podia

Se hoje teus olhos vislumbram com medo
Você já não vê e eu juro que havia
Te afago o cabelo, me abraça meu filho
Perdoa essa minha agonia

Se deixo você no absurdo planeta
Sem pique-bandeira e pelada vadia
Fujo do teu olho, me abraça meu filho
Não sei se eu tentei, mas você merecia...

Último Sarau da Casa da Ponte


O 9º Sarau da Casa da Ponte foi o último a ser realizado.

Vendi a Casa da Ponte! Com isso mudarei de endereço, de fase, de história.
Preciso de sossego e paz, neste momento, para dedicar-me à medicina e à
minha arte. Não quero nada que me desfoque do objetivo. Preciso de tempo
comigo mesma...

Por ser o último Sarau da Casa da Ponte, como sempre, escolhi um poeta
para homenagear. A escolha desta vez baseou-se em pura paixão. Escolhi um poeta
que talvez mais se identifique com a minha jornada até aqui. Um grande artista,
mais conhecido como músico,mas que consegue magistralmente expressar em letras o drama e a aventura do cotidiano de nós: Oswaldo Montenegro. Segue um poema dele que gosto muito

Metade

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

Sarau Aniversário Casa da Ponte





















Dia 27 de agosto realizou-se mais uma edição do Sarau da Casa da Ponte e sendo o 9º mês o que pariu-se o meu aniversário.
Para a festa contei com apoio dos amigos: Lidiane Leão (minha comadre) que arrasou com a performance: "Salve Brasília". Lilia Diniz que alegrou a noite com suas poesias, declamações, causos, canto e beleza. Rai Oliveira, Edson Alves, Betina Braga e Oswaldo Pullen que apresentaram-se em letras. Ainda tivemos Patrícia Medeiros com sua simpatia e voz e Mássimo Mansur com suas poéticas e banda que deram o tom e a cor da noite.
A noite de lua cheia foi belíssima e propícia para ser desfrutada como foi, com arte e festa junto com minha família e os amigos que firmaram comigo a certeza que toda alegria deve ser festejada e que os momentos únicos fixam-se para sempre...

domingo, 1 de agosto de 2010

Cora Coralina


Homenageada no 8º sarau da Casa da Ponte, Cora Coralina, é a poeta dos doces de açúcar e de palavras. É símbolo da força de vontade feminina, da lírica da vida, da poética de persistência e luta.
Uma mulher que nunca deixou de perseguir seus sonhos tendo, por isso, publicado o seu primeiro livro aos 75 anos. E em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983.

Adoro recitar sua poesia que adentra nossa alma como se de nós tivesse surgido. Essa abaixo é a minha preferida...

Todas as vidas


Vive dentro de mim
Uma cabocla velha
De mau-olhado,
Acocorada ao pé do borralho,
Olhando pra o fogo.
Benze quebranto.Bota feitiço...
Ogum. Orixá.Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
A lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
D’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
Pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
A mulhar cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
Toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
A mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
Desabusada, sem preconceitos,
De casca-grossa,
De chinelinha,
E filharada.

Vive dentro de mim
A mulher roceira.
– Enxerto da terra,
Meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
A mulher da vida.
Minha irmãzinha...
Tão desprezada,
Tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fardo.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
A vida mera das obscuras.


PS. Foto é de uma cachoeira goiana, terra da poetisa.

terça-feira, 20 de julho de 2010

SARAUCASADAPONTE JUNHO.10











Na última sexta de junho ocorreu o SARAU DA CASA DA PONTE e mais uma vez foi surpreendente. Na programação constava minha homenageada da noite ser a Cora Coralina e a noite começou com cheiro de rosas e doces da poesia goiana.
Aí Basilina Pereira nos chega com a novidade: seu mais novo livro de poesias "JANELAS" e desde então a festa começou.
Lilia Diniz, que só havia comparecido no primeiro sarau, surgiu na fumaça poética dessa noite brasiliense e encheu o ar de poesia. e (para deleite meu) endossou minha homenagem a Cora Coralina e declamou, contou causos, representou, emendou com suas poesias e deu um show memorável.
Rômulo Neves se fez presente pela primeira vez, desengavetou suas poesias, emocionou a todos com seus poemas urbanos e nos deixou com vontade de ouvir mais.
Jô Vignole fez homenagem ao mestre português Saramago e acreditem: enfim, nos mostrou um poema seu e valeu essa espera , com certeza valeu...
Juju deu o tom da comédia nos lendo uma crônica divertida de Eusanete Sant'anna.
Pra firmar a contemporaneidade da noite tivemos a Marina Mara que...que...- sem outras palavras - ...Arrasou!!!! sua poética urbana, jovial, divertida, repleta da simbologia ultratual é vibrante como seus cabelos de fogo, sua voz sensual, seu jeito gostoso de declamar...Foi o fechamento de uma noite memorável.
E para continuar a festa tivemos o aniversário da Ana Guimarães que veio brindar sua festa conosco.
Bem, depois de tudo isso terminamos a noite ouvindo de todos a frase que já se tornou tradicional:
- Foi o melhor sarau que já teve...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Sarau Casa da Ponte Maio 2010














Neste 28 de maio ocorreu o 7º SARAU DA CASA DA PONTE e se para muitos o sete é número de sorte, mais uma vez confirmou-se que a sabedoria popular pode estar certa: este sarau foi incrível!!!
O poeta escolhido da noite foi Pablo Neruda, mas na verdade a grande cerimônia da noite era para o AMOR. E por isso a escolha do grande Neruda, considerado por muitos com o último dos grandes poetas românticos...e assim como dizem que Vinícius - nosso poetinha - viveu como poeta, há o mesmo correlato para Pablo Neruda que cantou e viveu para o amor.
E aí o mote da noite estava dado e não faltaram crônicas, poemas, músicas e contos que casasse com a noite de lua cheia.

De repente fomos invadidos pela sensualidade e beleza da dança flamenca sevilhana e de um trecho de Carmem. E a apresentação de Patrícia Medeiros e sua amiga deu o ritmo caliente da noite.

Eros fascinado pelo ambiente aguçou sentidos e o amor foi ouvido em várias línguas. Explico! O músico Franklin Dias nos "embebedou de amor" com canções românticas em espanhol, português, italiano, francês e, pasmem!, alemão. Inesquecível!!!

Para fechar a noite com toda magistralidade que impregnou o sarau a atriz: Lidiane Leão apresentou sua performance à Clara Nunes e aí os remelechos, o som, o calor dos caldos, do chocolate quente, do vinho, dos desejos...subiu pelas saias das mulheres e fez cócegas nas orelhas masculinas e...tudo foi festa!!!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

SARAU CASA DA PONTE ABRIL.2010













Dia 28 realizou-se o 6º Sarau da Casa da Ponte e mais uma vez comprovei que nas artes não adianta direcionamento, às vezes a programação toma a cor do dia, o cheiro da noite ou o olhos de que assiste e tudo difere do planejado.
Este sarau foi assim. Programei para falar sobre o amor e Pablo Neruda, mas perdi o livro(ou o levaram?) e resolvi sentir a lua para decidir o que declamar e de repente
começa a surgir de todos os cantos poesias e textos tristes, melancólicos e introspectivos e essa foi a cor deste sarau azul, nostalgia, saudades...

Deixo um poema da Basilina Pereira, poeta que sempre está conosco e que consegue um feito que nunca antes vi. Ela escreve poesias todos os dias e nos dias doces ou coloridos faz até várias poesias por dia...
Como a noite foi contrária a tudo, o recado segue no tempo:

"TEMPO CONTRÁRIO


E nossos passos, contrafeitos,
deixam-se ir em direções opostas.

Em nossas lembranças,
chamados latentes
de um tempo contrário
onde um ímã que cintilava em nosso olhar
pulsava em forma de encanto.

Hoje, seguem lentos,
como se o peso do tempo
estivesse amarrado em nossas vestes
e não em nossos corações.

Em pequenos lapsos,
ressurgem pegadas outras
que convergem ávidas
para o toque das mãos,
mas como miragem,
o passado voa
e nós, seguimos a pé."